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Foto enviada pelas atletas (Foto: Divulgação) |
As jogadoras Lara Barbieri e Fernanda Marques, do União de Natal-RN, equipe que disputa a Série A3 do Campeonato Brasileiro Feminino, registraram um Boletim de Ocorrência por más condições de trabalho contra a treinadora e dona do clube Tereza Walessa da Silva. A dirigente nega.
O documento registra condições de alojamento que não condizem com o que foi apresentado para as atletas durante o processo de contratação, além de câmeras viradas para dentro da casa onde moram as atletas, chuveiro sem água quente, alimentação mínima, pressão psicológica com ameaças de demissão e a obrigação de participarem de orações diárias.
O ge ouviu as duas atletas e outras três integrantes do União: Agata Loreza, Ana Júlia Menezes e Thays Arlete. Todas as atletas possuíam o registro para atuar pelo time e contratos não profissionais.
Ao longo de toda apuração, a reportagem também foi procurada por duas ex-atletas do União, que preferiram não se identificar, mas compartilharam as denúncias feitas pelas cinco citadas acima.
Tereza Walessa, dona e treinadora da Sociedade Esportiva União, nega as acusações. A proprietária afirma que buscará os seus direitos na Justiça.
A dona do clube afirma que realizou um Boletim de Ocorrência contra a jogadora Fernanda Marques. O documento não foi enviado para reportagem após uma proibição prévia do advogado do clube.
Promessas de alojamento
O primeiro ponto citado pelas jogadoras foram as promessas feitas em relação ao alojamento onde as elas iriam morar. De acordo com as atletas, o imóvel era bem diferente do que foi prometido.
— Chegamos lá e era completamente inabitável, a situação é precária. Nós colocamos cinco beliches no quarto, que era o dormitório maior e praticamente nem cabia. Estava um cheiro de mofo e tinta, era tudo, menos uma casa agradável — contou Lara Barbieri, ao ge.
A lista de promessas contava também com ar-condicionado e televisão. De acordo com elas, nenhum dos dois foi cumprido.
— Quando chegamos aqui, ela (Tereza) se negou a comprar até o ventilador, as meninas tiveram que fazer vaquinha. Ela vinha com falas em tom de ameaça: "Por isso que eu prefiro gastar dinheiro com outras coisas do que comprar ventilador para vocês" — relatou Ágata.
A primeira conversa com as jogadoras aconteceu no dia 8 de maio, logo após elas saírem do União —os vídeos foram gravados anteriormente ao contato. No último dia 20, Walessa enviou outros registros, que contavam com ventiladores no quarto.
Sobre os chuveiros sem água quente, Tereza Walessa da Silva afirma que é algo normal no Rio Grande do Norte por conta das altas temperaturas.
As atletas alegam que a casa ainda estava passando por reformas quando as atletas chegaram. Os relatos são de que elas acordavam por volta das 7h por conta do barulho.
Lara Barbieri e Fernanda Marques conseguiram outro local para morar, mas as demais jogadoras que conversaram com a reportagem continuaram na casa fornecida pelo União.
— Não tinha nenhum tipo de saída para caso acontecesse alguma coisa, igual aconteceu no Ninho do Urubu, do Flamengo. As janelas eram todas com grades. Estaríamos todas ferradas — relatou Lara.
As cinco jogadoras contaram que os banheiros estavam entupidos. Segundo elas, as próprias jogadoras foram responsáveis por desentupir.
— Nunca prometi a elas que teríamos ar-condicionado para agora, nós temos um projeto. Mas já temos toda instalação elétrica para usar em um futuro próximo. Iremos comprar uma TV para elas, quero de 60 polegadas, mas ficará no auditório. Promessas que não foram para ontem ou para o dia que fossem se apresentar — revelou a dona do clube.
As jogadoras negam a informação de Walessa e ainda afirmam que a proprietária do clube utilizava a possibilidade de comprar a televisão como parte da ameaça:
— Ela falava que, por não lavarmos a louça um dia, não tinha levado a TV — contou uma atleta.
— Eu me orgulho muito dessa casa. Temos planta do dormitório, que tem capacidade para dez atletas, o banheiro é de uso coletivo e tem capacidade para quatro atletas tomarem banho — afirmou Tereza Walessa.
Alimentação das atletas
As atletas também reclamaram da alimentação fornecida pelo União de Natal.
— Recebíamos café, margarina, bolachas, arroz, feijão, cuscuz, tapioca e ovo. A mistura era coxa ou sobrecoxa, ela mandava uma vez por dia — informaram as jogadoras.
— Fomos perguntar se podíamos comprar o frango ou carne, a Walessa falou assim: "faz uma vaquinha entre vocês e comprem" — contou Ágata.
O contrato verbal incluía uma cozinheira para preparar a alimentação, o que, de acordo com elas, nunca aconteceu. Walessa rebateu e afirmou que o União possuía até mesmo parcerias para conseguir os alimentos.
A dona do clube afirmou que possuí gravações e fotos das compras realizadas, mas não teria sido autorizada a enviar pelo jurídico do clube.
— Nunca nenhuma atleta saiu da nossa equipe reclamando de alimentação. Temos registros no supermercado e participamos de programas de incentivo, há uma cota de valores para gastarmos — relatou.
— Temos um grupo com as jogadoras e elas avisam o que está faltando. Geralmente, fazemos a compra para uma semana e, o que passa despercebido, as atletas falam. Nunca ficaram sem alimentação, o clube não seria omisso.
Gatos pela casa
Lara Barbieri alegou para reportagem que, quando chegaram no alojamento, as jogadoras deram de cara com alguns gatos pela casa.
— Tinham em torno de dez gatos, e não eram das atletas, era dela. Eles ficavam lá na casa, a Walessa praticamente obrigava as meninas que moravam no alojamento de cuidar, precisavam alimentar.
As cinco atletas relembraram que um dos gatos, Aloysio, fugiu do alojamento e elas precisaram procurá-lo.
— Walessa gastou em torno de R$ 3 mil com o gato e colocou a culpa em nós — disse Lara.
Segundo as jogadoras, havia um quarto dentro do alojamento que abrigava apenas uma atleta do União, que depois teria ido morar com Walessa. Quando voltou do veterinário, o gato ficou nesse local.
— O quarto ficou para ele. O ventilador ficava ligado, a luz acessa... Na semana anterior, ela tinha reclamado dos gastos de energia das atletas — contou Lara
— Se existem gatos no alojamento é porque elas levavam. Não tenho responsabilidade de pegar um bichinho que a atleta diz que é dela — disse Walessa.
Câmeras pela casa, cobranças e orações
Cinco câmeras estavam instaladas pelo alojamento que acomodava as jogadoras do União. Seriam duas viradas para entrada, uma no corredor externo, uma no quintal e uma última no corredor interno que daria acesso para os dormitórios.
Segundo as jogadoras, uma das câmeras instaladas registrava a sala de estar e, a partir disso, Walessa ficava de olho no que as jogadoras estavam fazendo.
— Ficava assistindo como reality show, vigiando mesmo. Walessa impôs uma regra que tinha que tomar café da manhã até um certo horário. Se ela visse tomando depois, armava um barraco xingando a atleta — contou Lara.
— Ela expôs uma jogadora quando estávamos no treino. Falou que não saía do telefone, com essas palavras: "toda hora que abre a câmera, está no telefone" — relatou Ágata.
A dona do União confirmou a informação das cinco câmeras espalhadas pelo alojamento, mas negou que vigiava as atletas.
— A casa das atletas é monitorada porque é localizada na cidade de Extremoz. Entendemos que, para segurança de todas as atletas, era importante ter câmeras na área externa — informou Walessa.
Na denúncia, as jogadoras afirmaram que Walessa também as ameaçava.
— Sempre ameaçava a gente, dizia que não tinha problema em mandar embora. Essa frase a acompanhou desde o primeiro dia que chegamos. Falava que não tinha problema em mandar um caminhão de gente e contratar outras pessoas — relataram as atletas.
— Estou trabalhando com esporte de alto rendimento, como técnica, não posso cobrar? Se isso for gerar processo, acho que precisamos parar com o alto rendimento, voltamos para a formação — rebateu a proprietária do União.
— Na beira do gramado, no calor do jogo, vamos cobrar sim. Nunca tive problema com nenhuma delas, foi de forma respeitosa.
Além das ameaças, as jogadoras contaram que todos os dias recebiam áudios de oração pela manhã no grupo da equipe enviados por Walessa. Em certos momentos, também recebiam mensagens de voz da dona diretamente dos cultos de oração, mesmo não compartilhando da mesma religião.
— Todos os dias ela fazia uma oração, mandava mensagem. A gente recebia um cronograma e tinha, por exemplo, academia. Quando chegávamos lá, era oração, era uma enganação — contou Lara.
— Descíamos no hotel para fazer alongamento e mobilidade, entrávamos e estava tocando um louvor, luzes apagadas, e ela com a bíblia na mão pregando. Não podíamos escolher, ficava ou saía do time.
Walessa chegou a mostrar sua bíblia ao longo da conversa com o ge e afirmou ser uma pessoa muito religiosa, ao ponto de receber ligações de ex-atletas do clube para ajudá-las.
— Nunca comecei nenhum compromisso do clube sem fazer oração ou rezar um Pai Nosso, preciso agradecer a oportunidade de estarmos nesse momento fazendo o que amamos — contou Walessa.
Em conversa com a reportagem, Walessa afirmou acreditar que há uma intolerância religiosa contra ela por parte de algumas jogadoras e cita o nome de Fernanda Marques.
— A senhora Fernanda estava acompanhando a nossa live de jogo contra o Ceará e diz algo que caracteriza a perseguição dela comigo, em relação à minha fé. Ela segue me atacando nas redes sociais e minha fé — afirmou Walessa.
No comentário em questão, Fernanda Marques publica: "só para avisar que não adianta chamar Jesus para salvar o time do União, não" e "todo mundo tem que saber o que acontece nesse União". A jogadora rebateu a denúncia.
— A fala foi um desabafo sobre a postura do clube e não tem qualquer caráter discriminatório. A acusação feita contra mim, de intolerância religiosa, além de infundada, não possui qualquer base jurídica. É importante também lembrar que, em outros relatos já trazidos à tona por outras atletas, foi mencionado que havia uma imposição para participar de práticas religiosas internas, mesmo com jogadoras que não compartilhavam da mesma fé, e isso sim é um ponto que merece reflexão — disse Fernanda.
A dona do clube finalizou a conversa afirmando que não mudaria sua metodologia e que sempre trabalhava na base da fé, independentemente da religião.
Até a publicação da reportagem, as ex-atletas do União não receberam a passagem, prometida por Walessa em um primeiro momento, de retorno para casa. Ela afirma que foi indicação do jurídico não pagar.
A reportagem entrou em contato com a Federação Potiguar. A entidade afirma que as atletas citadas compareceram ao local buscando prestar uma queixa contra Tereza Walessa da Silva, dona do União.
Segundo informações, as jogadoras foram encaminhadas a procurar a Justiça do Trabalho, o Ministério do Trabalho ou a Justiça Comum. Nenhum registro formal foi realizado na federação sobre o caso.
A Federação Potiguar também informou que não se envolve nos problemas internos entre clubes e atletas e, quando procura, auxilia nos passos que as jogadoras podem seguir.
Por Tayna Fiori
ge São Paulo
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