As irregularidades no recebimento do auxílio emergencial não ficaram fora do mundo do futebol. Criado para atender as necessidades mais urgentes da população, que ficou sem renda durante a pandemia, a ajuda do Governo Federal no valor de R$ 600 foi parar nas mãos de quem não deveria receber. Foi o que mostrou um levantamento feito pelo programa Esporte Espetacular, do Grupo Globo, revelado neste domingo (5).
A vice-presidente da Federação Paraibana de Futebol (FPF), Thalyta Gomes (que é neta da ex-presidente Rosilene Gomes), o diretor do Departamento de Registro e Transferência da entidade, Gerson Júnior, além de três jogadores do Botafogo da Paraíba fizeram o cadastro e conseguiram o auxílio do Governo Federal. Até parentes do atacante paraibano Hulk, ex-Seleção Brasileira, foram beneficiadas.
Nas redes sociais, Gilvânia, que é irmã do jogador, ostenta uma vida de viagens e cartões postais. Fotos em pontos turísticos da China, estádios… Viaja o mundo para visitar o irmão que joga no Shanghai SIPG, da China. O jogador é um mais bem pagos do mundo. Em Campina Grande, a irmã do jogador mora em uma casa confortável.
Gilvânia e outras três irmãs de Hulk deram entrada no pedido de ajuda do Governo e estão recebendo as parcelas do auxílio há dois meses. Mayara Késsia, Jéssica Kelly e Givanilda recebem o valor dobrado, que é de R$ 1.200 por mês, por terem sido declaradas mães solteiras e vulneráveis. Jéssica é estudante de biomedicina em faculdade privada e Mayara é vendedora de roupas e acessórios. As três moram em casas localizadas em bairros de classe média de Campina Grande e não passam necessidades.
Givanilda, além de morar numa casa de alto padrão, é sócia de uma loja de roupas chamada ‘Hulkets Modas Collection’, com capital social declarado de R$ 160 mil.
A reportagem do Esporte Espetacular tentou falar com as irmãs do atacante Hulk por três dias, mas não teve retorno. O jogador foi o único que se manifestou. Hulk disse que não sabia do pedido de auxílio e que se decepcionou com as atitudes das irmãs.
De acordo com as regras do programa, só pode receber o benefício quem tem renda individual mensal de até R$ 522,50 ou R$ 3.135, como renda familiar. Quem possui carteira assinada, independentemente do valor do salário, ou qualquer outro rendimento que ultrapasse estes valores, não está apto a receber o auxílio emergencial.
Indícios de recebimentos irregulares também foram identificados entre dirigentes da Federação Paraibana de Futebol (FPF). Um dos casos é da vice-presidente e diretora de futebol feminino da Federação, Thalyta Gomes.
Ela tem 23 anos e mora em um bairro nobre de João Pessoa. Tem um veículo modelo van, registrado em seu nome, além de ser herdeira de uma família que tem lojas e uma fábrica na cidade.
Thalyta é neta de Rosilene Gomes e Juraci Pedro Gomes, que comandaram a Federação Paraibana de Futebol por mais de três décadas. A reportagem entender os motivos que levaram a dirigente a pedir o auxílio, mas ela não quis responder as perguntas.
Veja o diálogo entre a repórter Gabriela Moreira e Thalyta Gomes:
Gabriela: Você está recebendo auxílio emergencial do governo durante a pandemia, certo?
Thalyta: Uhum (sic). Uma dúvida: eu tenho tanto medo, para ser sincera, de bandidagem. Eu não sei ao certo se você é realmente repórter ou não, entende? Então assim, se você tem algum tipo de comprovação ou não, manda seu crachá, por favor. Eu tenho tanto medo de dar dados hoje em dia, de verdade”, disse.
Gabriela: Eu não estou te pedindo dados. Eu estou te ligando apenas para uma confirmação. Você ocupa qual cargo na Federação?
Thalyta: Vou esperar então você mandar. Se você realmente é mesmo do jornal e aí a gente conversa.
A reportagem afirmou que enviou as informações solicitadas, mas Thalyta preferiu responder em nota. A dirigente alegou que fez o pedido dentro dos parâmetros legais, mas que para evitar dúvidas e discussões, decidiu devolver os valores recebidos.
Gerson Júnior é outro dirigente da Federação Paraibana de Futebol (FPF) que está recebendo o auxílio emergencial. Ele ocupa o cargo de diretor do Departamento de Registro e Transferência, com remuneração mensal. Além de ter rendimentos com a entidade, possui três veículos registrados em seu nome, o que foge ao padrão de quem deveria receber o benefício.
“Gerson, a gente verificou que você está recebendo auxílio emergencial do governo por conta da pandemia, correto?”, questionou a repórter Gabriela Moreira. Gerson respondeu apenas “correto”.
A repórter questionou se ele era diretor de registros da Federação, mas Gerson desligou e não atendeu mais as ligações.
Embora a lei não diga expressamente que quem possui bens não pode receber, a essência do auxílio é atender quem corre risco social com a pandemia.
De acordo com o superintendente da Controladoria Geral da União (CGU) na Paraíba, Raimundo Queiroz, o benefício é voltado para quem está enfrentando necessidade, vivendo em situação de vulnerabilidade social.
“O cidadão que dispõe de recursos patrimoniais, recursos financeiros, ele precisa atentar para a questão da moralidade e não tentar obter esse benefício, já que ele não necessita”, afirmou Raimundo.
Na lista dos que recebem auxílios estão também três jogadores do Botafogo da Paraíba: os goleiros Jean e Rhuan, além do volante Rogério. Jean e Rhuan afirmaram à reportagem que não sabiam que não poderiam receber, mas que vão devolver o valor recebido irregularmente. Rogério não quis se manifestar.
Na última semana, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que o Ministério Público Federal investigue as irregularidades no recebimento do auxílio e inicie ações criminais contra os fraudadores. Em todo o Brasil, os órgãos de fiscalização de contas já encontraram 620 mil pessoas recebendo o benefício indevidamente. O prejuízo, segundo o TCU, já ultrapassa R$ 1 bilhão aos cofres públicos.
A Controladoria-Geral da União (CGU) na Paraíba identificou aproximadamente de duas mil pessoas com padrão de renda alto, que são donas de casas, carros e até embarcações, sendo beneficiadas pelo auxílio emergencial no estado. A lista inclui ainda filhos de políticos e empresários.
“São pessoas que não estão, em tese, em vulnerabilidade social, já que ela dispõe desse patrimônio todo em seu nome ou em nome de alguém de sua família. Essas pessoas fogem do critério da vulnerabilidade social e logo estariam de fora do direito auxílio emergencial”, concluiu Raimundo Queiroz.
*Reprodução da reportagem veiculada pelo Esporte Espetacular neste domingo.
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