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sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Da casa de taipa à Ilha do Retiro: a história de Mailson, goleiro do Sport

Mailson é goleiro do Sport e atuou em três jogos da Série A deste ano — Foto: Daniel Gomes
"Como assim, na Ilha do Retiro? É uma ilha com um campo no meio? Como eu vou jogar em uma ilha? Como será que o pessoal vai assistir aos jogos?"
Mailson, então com 17 anos e ingenuidade de garoto criado no roçado, pensou assim ao ser avisado, em 2014, que jogaria no Sport, clube da Ilha do Retiro. Quatro anos depois, vive um sonho: promessa da base, o goleiro foi titular em três jogos na atual edição da Série A. Agora, vive um objetivo maior a ser realizado: dar uma casa aos pais, que residem na taipa, em um sítio no Agreste alagoano. Essa história começa e espera por um final feliz em Girau do Ponciano, a 374 quilômetros do Recife.
Da roça para São Paulo
Mailson é o terceiro mais novo de sete irmãos - quatro homens e três mulheres. Entre pés de algodão até feijão, milho, tomate e cebola, a família foi criada na roça. Plantou e colheu para subsistir e apresentar as mais variadas opções no comércio. A ida iniciava às 5h. O retorno para casa se dava por volta das 18h. O dia era longo, desgastante. A começar pela caminhada do lar para a lavoura. Oito quilômetros a pé. Homem nordestino, o serviço era considerado "maneiro", como fala o pai. Afinal, as 13 horas de batalha eram amenizadas para Mailson com a ida à escola, durante a tarde.
Para se sentir útil, Mailson lançou mão dos lugares-comuns da pobre região. Largou a escola, então símbolo de "descanso" vespertino. Em seguida, partiu para São Paulo. Foi em 2013.
Aos 16, Mailson tomou rumo com Maurício, irmão mais velho, hoje com 32 anos, com destino ao Litoral Sul paulista. Maurício vive ainda hoje de bicos o ano inteiro. Na época de Natal e Reveillón, dirige-se para a terra brasileira das oportunidades e se manda para lugares como Guarujá, Praia Grande e Santos a fim de vender óculos escuros e amendoim.
Naquele ano, uma mudança inesquecível para Mailson - no pior sentido.
"Essa viagem foi para nunca mais esquecer. Larguei a escola e fui para lá. Carregava uma prancha com óculos e uma mochila nas costas. A gente andava uns dez ou 11 quilômetros por dia. Em alguns deles, vendia alguma coisa. Em outros, nada."
A experiência deu errado. "Ainda bem", relata Mailson. Como tantos, no país, no retorno apostou no futebol. Uma maneira mais rápida para mudar de vida. Bastava se transformar em um atacante de sucesso. Capitalizar gols. Contrariando ao próprio DNA, levar bolada embaixo da meta era a maior furada. Mas a atuação nas "quatro linhas" se resumia às peladas. Até o destino, com suas investidas muitas vezes certeiras, aprontar mais uma. Num jogo ao lado dos familiares, um primo, goleiro, levou falta. A missão sobrou para o mais alto.
- Na minha família, todo mundo gostava de ser goleiro, menos eu. Meu cunhado disse: 'Vai para o gol tu, que é grande'. Sei que a bola vinha e eu pegava de todo jeito. Nisso, tinha um olheiro vendo. Acho que ele viu ali um goleiro grande. Falou a intenção para o meu cunhado e me levou para a escolinha Arapiraca Gigante, em Arapiraca. Jogamos o Alagoano e depois fui para o São Domingos-AL, terceira divisão estadual.
A carreira como jogador, torta que só ela, começava ali, no São Domingos-AL, de Marechal Deodoro, a 139 quilômetros de Girau do Ponciano.
No primeiro campeonato, a vida mudou.
A Ilha
A próxima parada foi a Copa do Nordeste Sub-18, em Garanhuns, no Agreste de Pernambuco. Ali, o goleiro das peladas brilhou. O São Domingos sagrou-se campeão invicto, sem tomar gol. O olheiro João Maradona, responsável por revelar nomes como o volante Rômulo e o lateral-esquerdo Renê, ambos no Flamengo, estava na arquibancada.
João avisou a Mailson que ele ia para o Sport. Ia jogar na Ilha do Retiro. A ilha dos pensamentos do garoto.
Mailson entendeu que poderia ser goleiro. E de verdade. Com o futebol, poderia ajudar à família. Com a cabeça a mil e possibilidades multiplicadas, passou a entrar na internet com intenção de pesquisar defesas de outros goleiros. Era o primeiro passo para aprender a ser profissional. E, como ia para o Sport, logo deparou-se com um nome, até então desconhecido: Magrão.
- Eu nem conhecia Magrão. Quando estava no São Domingos, me falaram que iam me levar para o Sport. Comecei a ver os goleiros. E comecei a me interessar pela história de Magrão. Tenho ele como ídolo.
Mailson com Magrão em reportagem da TV Globo e GloboEsporte.com de 2016 — Foto: Reprodução / TV Globo Recife
"Investimento"
Mailson chegou ao Sport pela altura. Aos 17 anos, tinha mais de 1,90m. Ao botar o pé no clube, constatou-se total falta de base do garoto. Escapava-lhe os fundamentos básicos. Mesmo com outros goleiros mais experientes no grupo, havia algo no alagoano que valia a aposta. Continuou no clube, com o aval e a parceria de Paraíba, preparador de goleiros do Sub-20.
- O Sport foi fundamental na minha vida. Eu não sabia fazer nada. Se perguntar a qualquer menino da base, eles vão dizer. Mas a minha evolução foi rápida e eu consegui desenvolver o trabalho. O Sport apostou em mim. E para mim isso valeu a vida toda. Eu cheguei sem base nenhuma. E aí teve a paciência de Paraíba, treinador do Sub-20 que está aqui até hoje. E ele me ajudou muito. Treinei uma semana e fui aprovado. Depois, na outra semana, fui para o banco de reservas e fui ganhando confiança. Sabia que era o caminho certo.
O Leão passou a mudar a vida do garoto. E iria transformar a vida da família inteira. Mas esse pedaço da história vai ser contada lá na frente.
Mãe e pai de Mailson em frente à casa onde moram — Foto: Daniel Gomes
A família
Em Girau do Ponciano, a casa de taipa, com pinturas falhas por fora e por dentro - segundo o pai, para "esconder um pouco a pobreza" - com dois quartos, cozinha apertada e banheiro do lado de fora, abriga quase toda a família. Seu Ivanildo Firmino dos Santos, de 59 anos, o patriarca, é emoção pura. A cada lembrança do filho e da trajetória de vida dele, as lágrimas são inevitáveis. A mãe, Cícera Tenório Cavalcante dos Santos, de 54 anos, é a sensatez em pessoa.
- Ele (Ivanildo) é muito chorão. Minha emoção guardo para mim. Vejo Mailson hoje, lembro o quanto foi difícil, o quanto ele e nós ralamos... Mas guardo para mim, penso comigo mesma. Fico feliz por dentro.
Mailson é uma estrela em Girau do Ponciano. Todo mundo conhece "o goleiro do Sport". Na chegada da reportagem do GloboEsporte.com e TV Globo à casa da família Santos, mais de 20 pessoas guardavam um lugar no local. Queriam mandar uma mensagem para Mailson - mesmo sem saber se chegaria. Jornalista por ali era algo inédito.
Fotos e medalhas de Mailson, orgulho de Girau de Ponciano — Foto: Daniel Gomes
A rotina dos pais mudou nada. Trabalham na roça. O pai, aposentado, foi vigia noturno durante 13 anos. Assim tentava realizar os sonhos de Mailson. O dinheiro da passagem de ônibus faltava. Então, outros parentes ajudavam. Na maioria das vezes, dava. Outras, não. Nos dias de bolso vazio, o garoto se desdobrava: caminhava de oito a dez quilômetros para treinar, voltar para casa e pegar um transporte para a escola.
"Mailson ia treinar cedinho. Precisava acordar às 4h e dizia que a comida de lá era fraquinha, que não dava sustância. Eu prometi fazer o cuscuz dele. Fiquei me ocupando durante a madrugada, porque a vida não era fácil. Umas 3h, fazia a comida dele e, às 4h, o acordava. Ele nunca faltou um dia sequer. Era muito disciplinado", disse dona Cícera, a mãe.
O pai é de poucas palavras. Emotivo ao extremo, até leva bem a parte da conversa sobre a técnica de Mailson: a altura, envergadura, as defesas. Mas é só lembrar a trajetória...
- É um orgulho para mim. Um menino sair daqui... (longa pausa). Às vezes, penso que estou sonhando, mas é meu filho. É meu filho.
O sonho
Jogar no Sport fez Mailson mudar a vida dos pais. A carreira está no início, ele mal saiu das categorias de base, mas fez uma surpresa em Girau do Ponciano, em forma de pegadinha.
Em dezembro passado, já entre os profissionais, ligou para a mãe. Avisou que, por conta da rotina de concentração e viagens, ficaria sem visitá-los na cidade natal. Os pais lamentaram. Mailson, no entanto, estava entrando na cidade. Com um caminhão cheio de móveis.
Na caçamba, uma televisão, um tanque para lavar roupas e uma geladeira. Girau do Ponciano parou. A zona rural é composta praticamente por uma grande família. Primos e tios moram nas casas ao redor.
O maior sonho, a partir de agora, é transformar a casa de taipa.
"A vida da minha família mudou um pouco. E vai mudar mais, se Deus quiser. Agora posso mandar um dinheiro para a minha mãe fazer as compras. E como ela mora em uma casa de taipa, meu sonho é dar uma casa para ela. Estou no futebol mais por causa da minha família e meu futuro financeiro. Mas o meu sonho é esse", disse Mailson.
Os pais esperam o presente ansiosos. Sabem as dificuldades de todo jovem. Afinal, é preciso se manter em uma cidade grande como Recife. Além disso, Mailson tem um filho de dois anos. Mas a questão dos pais é prioridade.
- Ele prometeu começar a mudar nossas vidas neste ano, sei que é difícil. Mas Mailson sempre fala que vai nos dar uma casa e sabemos que ele vai fazer. É um filho maravilhoso, determinado. Ele falou que ia ser jogador e foi. Sei que ele vai nos dar nossa casa - disse seu Ivanildo.
Mãe, Cícera, é forte nas palavras; Ivanildo, pai, é emotivo — Foto: Daniel Gomes
A semente Mailson
A importância do Sport na mudança de vida da família de Mailson vai além. Na base da repetição, outro "Mailson" está na forma no clube. Denival, de 19 anos, é um dos goleiros do Sub-20. Irmão do alagoano. Chegou ao Leão no dia 1º de maio de 2016, quase do mesmo jeito: sem base, uma aposta por conta da altura. Com diferença entre os dois. Centímetros de diferença. Denival é mais alto. Tem dois metros de altura.
O processo, no entanto, foi diferente. Denival não passou por outro clube antes. O Sport promoveu, há dois anos, uma peneira perto de Girau do Ponciano. Segundo dados do clube, sete mil atletas fazem seleções por ano, sejam elas no Recife ou em cidades do Nordeste, Sul e Sudeste do Brasil. Na seleção de Denival, só ele e outro - um atacante - foram aprovados. Denival continuou. O outro voltou para Alagoas.
"Estou feliz. Além de ser um clube muito grande, eu me espelho muito no meu irmão porque a história dele parece muito com a minha. Ele chegou aqui sem saber de nada e também não sabia. Hoje estou aprendendo mais e me inspiro nele", disse Denival, irmão de Mailson.
Em Girau do Ponciano, os pais se orgulham. A família humilde hoje se aperta na sala para assistir Mailson. "Ele passa na televisão", disse o pai. Não há dúvidas de que a rotina está alterada.
Família de Mailson em frente à casa de taipa — Foto: Daniel Gomes
A quase 400 quilômetros dali, no Recife, Mailson e Denival vivem o sonho de se transformar em jogadores consagrados. Jogam com a mente em Girau do Ponciano. Apesar de o objetivo de dar outra a moradia aos pais estar cada vez mais palpável, a casa de taipa ainda tem lugar no coração.
- Sinto muita saudade. Na profissão do jogador, o que dificulta é a relação com a família porque eu sempre estou fora de casa e não sei quando posso voltar. Eu só fui nas férias do fim do ano e vou lá na Copa do Mundoo. Minha vida é assim. Tenho saudade do meu filho, que vai fazer três anos agora, do meu pai e da minha mãe. A casa é simples, mas dá saudade. Vivi a infância toda ali. É meu lugar.

Por Daniel Gomes
Globoesporte.com-Recife

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